Dica K: Doenças emergentes na cultura do algodoeiro

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Autor: Nelson Dias Suassuna
(Pesquisador Embrapa Algodão)

O algodoeiro (Gossypium hirsutum L.) é afetado por várias doenças de natureza biótica. Algumas destas não ocorrem no Brasil ou têm distribuição limitada a algumas áreas. Com o objetivo de estimar os riscos potenciais da introdução ou expansão de tais doenças, realizou-se um levantamento bibliográfico sobre a ocorrência e distribuição de algumas doenças potenciais, principalmente, na região do cerrado brasileiro, principal área produtora.

O levantamento foi realizado conforme a introdução ou não da enfermidade no país, sendo consideradas doenças ainda não relatadas no Brasil e doenças de ocorrência em áreas restritas. Em ambas as categorias as doenças foram classificadas pelo agente causal e são discutidos alguns aspectos da biologia de cada agente causal.

A mancha-de-mirotécio foi relatada no Brasil na safra 2003/2004 em áreas de produção de algodão nos estados da Bahia, Mato Grosso e Maranhão, alcançando, neste último, níveis epidêmicos com perdas estimadas de até 60% na produção. O agente etiológico da doença, Myrothecium roridum Tode ex. Fr., é um fungo comum de solo que sobrevive em restos de culturas e pode ser transmitido por sementes. Esse fungo é amplamente distribuído em regiões de clima temperado e tropical do mundo, afetando uma ampla gama de hospedeiros, inclusive solanáceas e cucurbitáceas.

Em algodoeiro, a mancha-de-mirotécio é caracterizada por lesões circulares de coloração marrom com margens violeta amarronzada em folhas, brácteas. As lesões podem estender-se até 3 cm de diâmetro e são contornadas por áreas translúcidas e concêntricas, que eventualmente suportam esporodóquios do fungo.

Em condições ótimas para o desenvolvimento da doença, as lesões multiplicam-se em número e tamanho, coalecem e afetam grandes áreas do limbo foliar, resultando em desfolha da planta; o fungo também causa lesões na haste principal e “dieback” em pedúnculos e pecíolos. A influência do tempo de molhamento foliar na severidade da mancha-de-mirotécio em algodoeiro, causada Myrothecium roridum, foi avaliada em ambiente controlado. Aos 30 DAE (dias após a emergência), plantas de algodoeiro da cv. Delta Pine Acala 90 foram artificialmente inoculadas com cinco isolados do fungo e mantidas em sala climatizada com temperatura de 27°C±2°C e períodos de molhamento foliar de 4, 8, 12, 16 e 24 horas diárias, durante sete dias consecutivos. Após esse período, estimou-se a porcentagem de área foliar lesionada nas folhas de algodoeiro. Não foram verificados efeitos significativos de isolados e da interação isolados x tempo de molhamento foliar; apenas a variável tempo de molhamento foliar foi significativa. A proporção de área foliar lesionada com a mancha-de-mirotécio em plantas de algodoeiro aumentou à medida que se aumentou o tempo de molhamento foliar diário. A doença é mais severa em períodos de molhamento foliar superiores a 16 horas diários, durante sete dias consecutivos.

Avaliaram-se a fungitoxicidade de produtos pertencentes aos grupos dos benzimidazóis, triazóis, estrobilurinas, isoftalonitrilas e ditiocarbamatos sobre a severidade da mancha-de-mirotécio em plantas de algodoeiro aplicados de forma preventiva e curativa. A severidade da doença foi quantificada estimando-se a porcentagem de área foliar lesionada. Os fungicidas piraclostrobina + epoxiconazol, tebuconazol, metconazol e azoxistrobina + ciproconazol foram os mais eficazes no controle da doença, tanto aplicados de forma preventiva quanto curativa. O tratamento preventivo foi mais eficaz que o curativo.

A podridão ou mofo-branco é outra doença de ocorrência esporádica na maioria do cerrado, que, todavia, sob algumas condições climáticas, ocorre em surtos epidêmicos. É causada pelo fungo Sclerotinia scleotiorum, que reduz o estande inicial de plantas, quando cultivadas em área de pivô central precedida por cultivos de feijão. Temperaturas amenas e alta umidade favorecem o desenvolvimento da doença. Os sintomas são murcha e podridão da haste, do pecíolo da folha e da maçã, além de serem observados no interior do capulho micélio branco e escleródios escuros do patógeno. O mofo-branco é particularmente de difícil manejo dada à eficiência das estruturas de sobrevivência (esclerócios) do patógeno. Táticas envolvendo controle biológico, controle químico, rotação de culturas e manejo cultural deverão ser implementadas no manejo do mofo-branco.

Recentemente, uma nova doença foi constatada em algodoeiro na região Centro Oeste do Brasil. Trata-se da “ferrugem tropical”. Os impactos esperados por esta doença superestimaram o que realmente poderia acontecer. A doença geralmente surge no final da estação de cultivo, sempre após o início da senescência das folhas, quando causa poucos danos, podendo inclusive ser benéfica à planta, pois acelera o processo de queda de folhas antes da colheita, o que reduz a umidade no dossel da planta e contribui para a diminuição do apodrecimento das maçãs, devido a maior aeração. Todavia, perdas significativas devido a esta doença já ocorreram no Brasil, Índia e Jamaica, quando a cultura é afetada no início do seu desenvolvimento vegetativo. O agente causal da ferrugem tropical do algodoeiro é o fungo Phakopsora gossypii (Lagerh.) Hiratsuka.

Os sintomas são pequenas pústulas nas folhas de 1-3 mm (Figuras 14 e 16), de coloração inicialmente amarelo pálido tornando-se castanha, as quais são circundadas por um halo de cor púrpura na face superior da folha. Na face inferior, as pústulas rompem a epiderme e liberam os uredósporos. Nos pecíolos e ramos a pústula possui um formato alongado. Infecções severas causam desfolha da planta, iniciando-se a partir de folhas mais velhas e disseminando-se posteriormente para as folhas mais novas.

Epidemias da doença ocorrem durante estações de estiagem em plantios irrigados, ou após chuvas seguidas de longos períodos secos. O desenvolvimento da doença parece ser favorecido por grandes amplitudes de temperaturas diurnas e prolongados períodos de molhamento foliar. A doença não é severa durante períodos chuvosos prolongados.

Alguns dos fungicidas utilizados no controle químico da mancha de Ramulária são eficientes no controle químico da ferrugem. Testaram-se alguns fungicidas para este fim e o grupo químico dos triazóis (tebuconazole e tetraconazole) e das estrobilurinas (azoxystrobin) reduziram a desfolha devido a esta doença.

O fungo Phymatotrichopsis omnivora (Duggar) Hennebert (=Phymatotrichum omnivorum) possui uma gama de hospedeiros de mais de 2000 espécies de dicotiledôneas, entre elas o algodão. Os sintomas da doença são bronzeamento ou amarelecimento e diminuição na temperatura da folha. Estas se tornam flácidas, murcham e dentro de três dias morrem. Apesar de mortas, as mesmas se mantêm aderidas à planta. No sistema radicular observa-se apodrecimento. Alguns autores sugerem que a distribuição do patógeno é restrita à baixa temperatura do ar.

No Brasil o fungo foi relatado apenas no Rio Grande do Sul. O fungo produz escleródios (estrutura rígida que lhe garante sobrevivência) que corresponde ao inóculo inicial. A dispersão da doença é localizada, uma vez que o fungo é habitante do solo e consegue crescer a taxas de 61 cm a cada 35 dias. O manejo pode ser implementado evitando-se a entrada do patógeno em áreas isentas (quarentena), realizando-se tratamento de sementes, utilizando-se cultivares resistentes e no caso da presença da enfermidade o uso de controle químico (1,3 dicloropropeno e triazóis (propiconazole e triadimenol)).

A ferrugem do Sudoeste, causada pelo fungo Puccinia cacabata é outra importante doença do algodoeiro. Esta ferrugem é dita heteróica, ou seja, utiliza mais de um hospedeiro para completar seu ciclo de vida. Os estágios de pícnio e écio são produzidos em espécies do gênero Gossypium, todavia a estágio telial ocorre em outras plantas, principalmente gramíneas. O estágio aecial do patógeno (que afeta algodoeiro) está confinado aos EUA e México, enquanto que o estágio telial ocorre na Argentina, Bahamas, Bolívia, Brasil e República Dominicana. Perdas de até 85% são relatadas devido a esta doença.

Os sintomas são pústulas amareladas na face superior da folha de diâmetro entre um e 4 mm. O período latente é de quatro a seis dias. De sete a dez dias após o desenvolvimento das pústulas, surgem as estruturas denominadas écios que comportam os eciosporos. Estes, depois de liberados pelo vento, germinam sobre seu hospedeiro alternativo (Gramíneas, principalmente Bouteloua spp.) para completar seu ciclo de vida. O manejo deve focar a eliminação do hospedeiro alternativo. No Brasil, apesar do estado telial ocorrer ainda não há relatos da ferrugem sobre algodão (estágios de pícnio e écio). Existe resistência total em Gossypium hirsutum herdada por um gene dominante. A resistência parece ser estável por não haver raças do patógeno.

Dois fungos causadores da doença denominada míldio pulverulento são encontrados em algodão: Leveillula taurica (Oidiopsis gossypii) e Salmonia malachrae. Apenas o primeiro é relatado no Brasil (Distrito Federal) ocorrendo em outras culturas. Os sintomas são lesões de aspecto pulverulento, inicialmente branco, passando a acinzentado quando as lesões envelhecem com cerca de dois mm de formato arredondado. Não há relatos de necessidade de esforços no seu controle, todavia é preocupante o fato desta doença se assemelhar bastante em seus aspectos epidemiológicos com a mancha causada por Ramularia areola.

Outro fungo de ocorrência no Brasil na cultura do algodoeiro é Chalara elegans (=Thielaviopsis basicola). Este patógeno causa podridão no sistema radicular e tombamento de plântulas. Ainda não há relatos desta doença no cerrado. O sintoma mais característico é a dilatação da região do colo da plântula, causando deterioração do córtex. O sintoma também ocorre em plantas adultas. Esta doença é mais freqüente em cultivares de G. barbadense. A doença é mais severa em solos argilosos onde a temperatura no início do crescimento vegetativo é inferior a 20ºC. O fungicida imazalil é utilizado com eficiência no controle da doença em outras culturas.

Duas doenças causadas por vírus também merecem atenção, principalmente por não ocorrerem no Brasil. O Cotton leaf curl virus (CLCuV) é um vírus da família Geminiviridae e é transmitido pela mosca branca (Bemisia tabaci). Com desalojamento da população antiga (tipo A) por indivíduos do biótipo B a preocupação com viroses deve ser redobrada. Este vírus ocorre apenas na Ásia (Filipinas, Paquistão e Índia) e África (países do Norte, exceto Egito). Os principais sintomas da doença são epinastia (encurvamento das folhas, principalmente para cima), descoloração foliar e mosaico (mistura de áreas com matizes de verde clorótico e amarelo distribuídas irregularmente na folha).

O Cotton leaf crumple virus (CLCrV) é outro vírus pertencente à mesma família, cujos sintomas são o enrugamento dos tecidos (limbo foliar, pétalas ou maças), mosaico, enrolamento das folhas para baixo (epinastia), coloração verde escura e nanismo generalizado quando a doença ocorre no início do ciclo vegetativo. Sua ocorrência é restrita aos Estados Unidos e México.

A inspeção de sementes visando à detecção desses vírus é imprescindível, visando impedir sua entrada no Brasil. Existem anti-soros específicos e testes baseados em PCR para tal propósito. A importação ilegal de sementes, material vegetal ou o vetor virulífero (Bemisia tabaci) podem permitir a entrada do patógeno. Maior ênfase a estas doenças deve ser dada devido à agressividade do biótipo do vetor presente no Brasil.

 

Fonte: Embrapa Algodão

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